Na civilização do espectáculo em que vivemos, mergulhados numa torrente incontrolável de imagens, expressamente fabricadas para excitarem a imaginação e exacerbarem os mitos e desejos que nos alimentam a vida, osJogos Olimpícos, a par do futebol - o desporto de massas triunfante-, ocupam um lugar cimeiro no proscénio planetário do consumo de emoções. Ciente da urgência em dotar o comum dos consumidores de notícias e de imagens de um conjunto mínimo de instrumentos de análise capazes de os levarem a deslindar as dissimuladas e inerentes estratégias retóricas - mecanismos que exploram primacialmente o potencial comunicativo de uma mensagem plástica destinada a obter um efeito persuasivo de ordem ideológica, política ou mercantil -, a Casa da Eira prossegue o seu habitual objectivo. Reflectir sobre a actualidade mediática a partir dos suportes gráficos com maior difusão e impacto. Pelo que, muitos materiais iconográficos acumulados ao longo de mais de um século a propósito deste mega-evento desportivo que agrega, numa onda de inusitada euforia, a generalidade dos povos organizados em estados, serão observados de um ângulo crítico que permita descodificar a dominante cultura visual do nosso tempo. E permita avaliar a sua inevitável manipulação por parte de governos, de políticos e por quem orienta a agenda dos meios de comunicação mais populares. 

Ora não será inútil insistir na questão. Esta omnívora cultura da imagem em processo galopante de expansão pela ecúmena, vai, em simultâneo, uniformizando o gosto e os valores sempre pela bitola do menor esforço intelectual e da propensão corpória para as fruições estomacais e regiões abaixo. Uma cultura que assim, de modo indirecto, marginaliza o livro, base estruturante das grandes civilizações com destaque para a que a Europa arduamente construiu. E daí este invasivo império da imagem despromover, lá onde chega, a tradicional primazia da argumentação racional. A modalidade de análise e escolha que nesta nossa casa comum, é certo uma Europa em declínio, sempre, salvo em curtos momentos paroxísticos de desvario totalitário, deixou campo livre para uma expressão contida da desrazão e enquadrou o seu caminho e avanço. Porém, no mundo que aí temos, vemo-nos progressivamente à mercê da gula de um ogre leviatânico que se apodera da nossa atenção e a subjuga, a tetaniza e sufoca.

Por outra parte, no debate a efectuar na Casa da Eira, um círculo de visitantes interessados e de amigos, serão tidas em conta outras temáticas prementes e ameaçadoras. A permanência da utilização dos Jogos na propaganda estadual e a continuidade do abrangente confronto geo-estratégico entre as grandes potências hegemónicas e respectivas áreas de influência. No contexto de um breve resumo da génese e evolução dos Jogos, implicando o tema uma especial referência aos efectuados em Berlim em 1936 e aos alternativos propostos para Barcelona pelo campo socialista, como aos da cidade do México, em 1968, aos de Munique, em 1972 e aos de Moscovo, em 1980. Jogos em que se observaram violências sangrentas - Munique -, ou manifestações várias de contra-propaganda e de boicote colectivo.

Em paralelo, será ainda discutida, a abusiva e crescente intromissão nos Jogos feita pelas grandes empresas multinacionais - as Coca-Cola, as Nokia entre outras -, no seu financiamento e organização em detrimento das aspirações e conveniências das pessoas, como dos países participantes e, mais em particular, daqueles onde são organizados. Tudo, como se depreende, para essas empresas escoarem depressa ingentes quantidades de mercadorias, para obterem uma visibiliddade total, a maximização dos lucros e da influência. E isto, sempre por meio de uma tonitruante publicidade audio-visual, com massivas audiências de centenas de milhões de ouvintes e espectadores à roda do globo. Apoderando-se do mesmo passo da colossal indústria do desporto como espectáculo e da miríade de suculentos mercados à mesma adjacentes. Afinal, um processo de brutal concentração da riqueza, de hiperestratificação social e de aniquilamento da autonomia de povos e nações. 

Como neste aberto forum de debate será analisado o tema da viciação dos resultados das provas. Ou seja, o uso de substâncias dopantes e o clandestino mercado global que estabelece. E, conexamente, a adulteração dos difusos e incertos princípios éticos definidos pelos fundadores dos Jogos ( P. Coubertin à cabeça, hoje tão anacronicamente vilipendiado), no seu todo uma inodora e difusa ideologia, depois propalada pelos sucessivos dirigentes dos Comités olímpicos nacionais e do Comité supranacional.

Por último, haverá espaço para perspectivar o autêntico fanatismo do record e da vitória e a consequente minimização dos esforços e disciplina de milhares de atletas que, honesta e bravamente, puderam competir à luz da chama que arde na pira olímpica. E a regressarem invariavelmente cabisbaixos aos seus países, e obrigados até a darem uma explicação. E mais, quasi coagidos a apresentarem desculpas às massas famintas de ilusão e resultados. Fanáticas do desporto-espectáculo preguiçosamente recostadas nas suas domésticas bancadas anestesiadas pelo fascínio do crepitar de uma imagem televisionada e da verborreia de quem a comenta. E isto, face ao gáudio dos que, nos bastidores do sistema, retiram desta imensa teia de interesses proveito e poder.