O escultor José Rodrigues idealizou para a capela do seminário de Viana do Castelo, um Cristo em ruptura com a norma iconográfica vigente. E assim - no contraste entre um torax descarnado acabado de exumar de um húmus corrosivo, com uma face energicamente viva e ainda a luminosidade polida e flamejante de uma túnica que recobre o supliciado a partir da área abdominal até aos pés -, a representação escultórica salvaguarda por inteiro a dimensão mítico-teológica da narrativa evangélica. Um Cristo, pois, a forçar a Ressureição e a retomar, triunfante, uma profética peregrinação espiritual.

Na encruzilhada dos estímulos plásticos remontando ao expressionismo e à atmosfera mística que aureolou criadores pictóricos tão geniais como Rouault, Matisse e tantos outros mestres do modernismo, Ricardo de Campos, oferece-nos uma variada cristofania - ora exposta em Viana do Castelo -, impregnada de uma intensa e cataclísmica aura poética.

Enclausurando Jesus Nazareno numa agressiva moldura de "espinhos" - coroa hiperbólica a sublinhar o cruento destino de um dissidente do judaísmo -, Almada Negreiros evocou desta forma peculiar, no quadro de uma representação teatral, o ícone cimeiro do cristianismo.

Crucifixão proposta pelo artista plástico de Moçambique C. Mudaulane. Geometrias, iconografias e cromatismos vibrantes marcados por uma clara e assumida tradição étnica.

Nesta tríade de representações de Cristo da autoria de F. Araújo, conjunto que poderá ser lido, ou não, como um imprevisto e polissémico Calvário, a artista portuense imprime à figura central um poderoso e irradiante ímpeto plástico.
A massa cromática dourada, lateral à estuante corporação verde de um Cristo acrobata, de braços em V, e em oblíqua ascensão, acentua a simbólica redentora da vitória da vida sobre a morte. Ou melhor, o triunfo do espírito sobre o corpo.

Neste painel evoca-se a intervenção do Movimento de Renovaçao da Arte Religiosa (MRAR) fundado em 1952. Movimento impulsionado pelos arquitectos Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas, Luiz Cunha, entre outros artistas católicos, e onde também figurava o notabilíssimo pintor José Escada, marcando fortemente a nova arquitectura religiosa em sintonia com a ruptura plástica introduzida pelo modernismo. Importa contudo anotar que o regime de liberdades limitadas vigente no país tinha já manifestado uma notável abertura nesta área, apesar da hostilidade canhestra dos sectores mais tradicionalistas. Com efeito, o arquitecto Pardal Monteiro conseguira já, em 1938, levar por diante o seu projecto modernista da igreja de N. S. de Fátima em Lisboa. Com decoração de Almada Negreiros e o explícito apoio do próprio cardeal de Lisboa, Gonçalves Cerejeira.

Esta série de fotogramas recorda o auto da paixão encenado em Lanhelas, anos antes, por um grupo de moradores sob a orientação do professor e dramaturgista vianense Fernando Borlido. Tirando proveito do contexto paisagístico dos Jardins de São Gregório e da surpreendente topografia do Outeiro Dantas, a evocação do itinerário de Cristo rumo ao Calvário, e o seu epílogo em torno do monumento que comemora as guerras da Restauração, ofereceu aos espectadores da representação um grandioso momento de fruição estética e fortes emoções de carácter religioso.
Os participantes do auto que visitaram a exposição puderam assim reviver com agrado, e muitos até com euforia, essa ímpar experiência sentimental e artística. Aliás, partilhando com os visitantes vindos de Vila Praia de Âncora e de Vile - todos eles, na altura, empenhados na preparação do auto que iriam apresentar uma vez mais alguns dias depois nesta última povoação -, diferentes aspectos técnicos do acto e a responsabilidade e orgulho de preservarem o património religioso e cultural do Alto Minho

Sobre a mesa, entre outros títulos, entrevê-se uma biografia de Antonio Gaudí, o místico arquitecto catalão que reanimou a edificação de catedrais com vista a tomar de assalto a abóbada celeste.
Marc Chagall, um prolífico autor de crucifixões, figura igualmente na bibliografia exposta para consulta dos visitantes. Como também Pierre Legendre, jurista e hermenêuta da especularidade do divino. E ainda se pôde folhear um livro de Marcelo Rebelo de Sousa, ocasional exegeta da narrativa evangélica

A Cruz Alta, junto à Igreja da Santissima Trindade, em Fátima, ostenta uma figuração estilizada do corpo de Cristo. Eliminada qualquer pretensão realista, abandonada a espessa fisicalidade dos Cristos barrocos, esculpidos ou pictóricos, sobre a imponente e esguia cruz exterior o que se contempla é um diagrama de aço. Ou seja, a obra do artista alemão Robert Schad resume a figura humana em várias linhas quebradas convertidas no símbolo de qualquer vítima de crucifixão. Isto em contraste com a corpulência que caracteriza o Cristo rebelde de olhos exorbitados suspenso sobre o altar-mor daquele templo idealizado pela escultora irlandesa Catherine Green. Ora ao "desencarnar" a evocação de Cristo, o artista alemão parece temer a acusação de instigador de idolatrias e, consequentemente, abeirar-se da atitude iconoclástica típica dos primeiros séculos do cristianismo. Como aproximar-se da tradição que, entre o século VIII e o IX, se impôs como linha dominante no Império bizantino. E que o protestantismo, séculos mais tarde, virá igualmente a recuperar. Será, pois, que esta despojada e abstratizante teologia da imagem esboçada no Cristo da Cruz Alta virá um dia a generalizar-se perante o desafio decorrente de uma mais instruída e exigente comunidade de fiéis e a progressiva e inevitável interiorização do sentimento religioso ?

Neste quadro de 1938, o pintor Marc Chagall, um judeu russo angustiado com a sorte do seu povo, idealiza uma Crucifixão cujo cenário é uma aldeia em chamas fustigada pela violência de um progrom. O talit cingido à cintura do crucificado - um xaile usado nos actos liturgicos do judaísmo -, permite associar de imediato a figura de Cristo ao sofrimento do povo judeu. Povo que durante a 2ª Grande Guerra foi vítima de perseguições massivas e, por fim, objecto de extermínio sistemático nos campos de concentração nazis.
Segundo a revista italiana Civiltà Cattolica, este quadro será a representação da Paixão de Cristo mais apreciada pelo actual chefe da Igreja Católica, o papa Francisco.

8. abr, 2017
Cristo na cruz
"Cristo, na cruz, não cessa de trabalhar. É, diante dos nossos olhos, um engenho em funcionamento contínuo. É o fermento inextinguível que não deixa de agir sobre as suas três medidas de farinha... Os braços da cruz nã são apenas uma expressão abreviada do homem completo e realizado na justiça, são alavancas em acção" , Paul Claudel, O poeta e a cruz, p. 312.~
Nas suas andanças por Paris, Ruben A., o famoso autor de A Torre de Barbela e grande amador das terras do Alto Minho, deixou-nos este apontamento sobre o auto da Paixão que presenciou em pleno "terreiro" da catedral de Notre Dame. Soberbo o cenário, reconhece, mas algo ali faltava: uma sonoridade à altura do lugar e da representação, qualquer coisa como um recitativo accompagnato retirado da Paixão segundo São Mateus de J. S. Bach ou um "intemporal acústico" extraído de um quatuor de Olivier Messiaen.

Encenações

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